segunda-feira, 17 de maio de 2010

VALÉRIA VICTORINO VALLE


FLAGELO


Na Ditadura do corpo
Há uma tropa esquelética a caminho
A fim de apagar partes de nós mesmos
É a troca do natural pelo superficial
É a troça dos irresponsáveis fascinados por monstruosidades

Impera o plastificar, o siliconizar dos seres humanos
Modelo de beleza impregnado, fabricado com código de barra
Prevalece o discurso distorcido no imaginário da população
Bizarrices poderosas vencem o bom senso

E na implicância com o que ou quem Somos
Acham belo o feio, fanatismo da indústria,
São os olhos para fora e a cegueira para dentro
Exigem padrões de forma ideal (ou irreal)
É a intolerância ao incomum, às diferenças naturais

E no açougue das identidades (já não basta a mente)
Sofremos intervenções estéticas e de caráter doentio
Aceitamos a insanidade da vigilância e da artificialidade corporal
Agimos na inflexibilidade imposta pelos tops de beleza
Andrógenos vestidos de padrão flagelam-se...

E na patologia da descaracterização
Da desindividualização e da perda identitária
O espelho reflete e refrata a escravidão
Aniquila a ardência de ser livre.



SORRIR SÓ

Nos meus lábios um poema
Um sorriso de Sol
Numa reticência exigente e louca
Da gostosa fragrância da sua saliva
Sabores paradoxais
Meu corpo é teu por desejo
Não há como fugir dos seus enigmas
É o tencionar do amor e da posse
Artimanhas do sofrer
Arrepio lento e quente

No beijo épico
O amargo gosto do gostar
Num suave sorriso de resignação
Ao empreender a travessia
No amanhã incerto e vazio
O sobreviver a uma guerra de amor
Para apenas morrer de solidão
Para presentear o outro com a solidão
Solidão a dois
Sofrida Solidão Sentida
Cada ser com sua eterna solidão
Havia um sorriso solitário
No sorriso de ser sempre só.


CIÚME

Na prisão das relações reside o demônio do ciúme
Monstro escondido em cada um de nós
Tormento incessante, atitude opressora do vigiar.
No meu medo disfarçado em amor
Vacilo entre aliviar ou alimentar o mal estar da dúvida.
Sinto que o meu amor cega e o meu ciúme vê coisas inexistentes
E no meio termo entre paixão e ódio desse padecer infernal
Ultrapasso a esfera da dúvida e da insegurança.
Esse assassino do amor emerge
Desgastante, dominador, corrosivo
Destrói a minha débil ordem e o meu frágil equilíbrio
E nessa irracionalidade
Consumido e ensandecido pelo ciúme
Sinto um delírio sufocante...
Desejo extirpar a perda do objeto amado
É o afiar do mesmo mecanismo de controle
É a dilaceração pela eterna posse
Minutos latejantes e insuportáveis.

PRECISA-SE DE LOUCOS

No paradoxo da insânia e da razão
Chega de viver nas sombras da sanidade
Basta de esgueirar-se no anonimato
Agora é Ser o louco da vez
E não resistir a loucura que arrebata:
Precisa-se de Loucos

Pelado e sujo de sangue
Vejo a invencível contradição: lucidez e insanidade
Aparente decrepitude que não tem prevenção
Só tem impulsão sob a proteção da sensatez
E nessa combinação alquímica
O anormal intriga, implode em câmera lenta,
No único lugar em comum:
O hospício infindável do sem lugar, do nenhum lugar


Cabe aos loucos salvar os lúcidos
Privar do sanatório da normalidade
Loucura doentia que escraviza e esvazia
Julgar e esquecer que é julgado
Reprimir o vazio que gera a doença da alma
Encontrar sua definição de loucura já não basta
Enlouquecer o Outro é capturar a sanidade.


ERROS

Nas centenas de vozes e de vezes
Das guerras marcadas na alma
Sinto a mesma tristeza que paralisa
É a dura rotina de privações
Nos antigos apetrechos da angústia
O silêncio do mesmo preparo de amar.

Num tempo qualquer
Exumado de mim mesmo
Lembro-me dos beijos que mortificam
Assombro diante do encantamento
E apenas um beijo aguarda o desfecho
Na peregrinação dos sentimentos
Estoque inesgotável de fantasia.

No ser que repousa no Nada
Bóiam dores na passagem deixada no corpo
Maldita dor do amor e do desamor
No meu lugar cativo: Solidão
E sem nenhuma garantia do amanhã
Vivo a maquiar um não esquecer
Escondido na lascívia.

Com olhos emprestados pelos débeis
Alimento um amor fragmentado em tentos
Um amar de pouco tempero
Facilito o seu corpo e complico a minha alma
Pois nem tudo que é permitido é cumprido
E nem todos os erros são para aprender.


AVESSO

Na frágil teia da vida
Um amor escolhe um outro
Libera motivos e nos deixa cativos
Fascinantemente débeis
Restam sobras e migalhas do passado
Um gosto de amor em transparência
Que faz coisas inusitadas, esquisitas e idiotas

No paradoxo desejo e indecisão
Nos seus lábios eu me devoro
Inexplicável, ininteligível e mágico
O mais breve dos encantos
Desenho você em palavras
Escritas com cristais brilhantes do seu olhar
Olhos de topázio: duros e claros

Numa sinfonia de suspiros
Respiro o adorar pelo avesso
Uma vontade de morar dentro do outro
Desejo e Sou
Amante da paixão intrigante
Lágrima de irrigar o prazer
Dor para lapidar o viver.



Goiana de Anápolis, é autora de RETRATO 4x4: A POESIA SALTITANTE, A VIAGEM e DIÁLOGOS. Contato: vvvalle@hotmail.com / vvvalle@gmail.com / www.valeriavalle.blogspot.com

2 comentários:

  1. Parabens gostei de todas mas a que mexeu comigo foi sorrir só, vc deve ter uma alma pura para se expressar assim. Braga

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  2. Valéria: conheci você pessoalmente em Anápolis durante a feira promovida pela União Literária Anapolina no dia 04-11-2016.
    Naquela ocasião você me presenteou com seu livro METALINGUISTICANDO.Sensibilidade, doçura, conhecimento profundo da língua. O mundo precisa de pessoas como você. Obrigado pelo livro. Maravilhoso. Walter Simão

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