domingo, 10 de maio de 2015

MARIA LÚCIA LÓPEZ




HABITEI NO TEU ESPAÇO

Desbravei os teus abismos
Escalei teus precipícios
Desvendei os teoisus mistérios
Percorri tuas florestas
Adentrei em tuas frestas
Te seduzi...
E te alcancei sem mistérios
Derrubei o teu império
Abri clareiras gigantes
E tuas veredas secretas
Percorri...
Desbravadora incansável
Sem vacilar um só instante
Te convenci...
Me banhei no teu regaço
Habitei no teu espaço
Te possuí...
Adormeci radiante e tive sonhos
Vibrantes...
Me aqueci em teus braços
Ouvi os teus desabafos
Me convenci, e te amei,
E te senti...


CIGARRAS AZUIS

Quando nas colinas verdejantes brotassem os girassóis silvestres e as andorinhas cantassem canções de pura emoção, o sabiá laranjeira trocasse a gaiola pelo teu coração,

Quando a brisa tocasse sinfonias e embalar o mar, eu, vestida de ventania, perceberia que são azuis as cigarras.


EIS-ME MULHER

Vestidos de luz, pássaros azuis, bonecos de argila,cigarras vadias, moram na minha cabeça.

Trago no peito vendavais de paixões, seduções e carinhos desfeitos.

Vinda das matas, cultivo a crença nos mitos, lendas e fadas.

Pra onde foi minha irmã coragem, que me levava além, numa carroça cansada onde bois sonolentos se arrastavam no chão, cuja carroça gemia, rangia, no compasso do meu coração?


VERDE

Teu verde olhar
Mesmo no mar
A toda hora incendeia
Com a claridade
Da lua cheia
Sobre o verde do mar
Necessito da tua paz
Que me alimenta.


INQUIETAÇÃO

Inquietas flores tremulam ao vento presenciando situações
Suspeitas.
Na ondulação suave de prepotentes ondas
A ordem é avançar e se quebrar nas areias.
Inquietas mãos afagam pernas, coxas, ventre e um busto
Nu exposto.
E a menina que viu, sorriu...


CAMPOS DO JORDÃO

Busco horizontes.
Deparo-me com as sinuosas curvas
Da Serra da Mantiqueira.
Sinto-as entre bocejos de preguiça
Arrematando os sinuosos traços verde-musgo, de azul celeste.
Cavalgo no lombo da Serra.
Nas encostas sou erva rasteira.
Nos ares da Serra sou corvo ouriçado.
Nas noites da Serra sou eixo de lendas e mitos...
Sou pedra lavada, nos cantos perdidos,
Jamais desbravados.
Nas noites da Serra, sou a vigília que vela o teu sono.



Maria Lucia Lopez nasceu em Catende, Pernambuco, em 1941. É autora de 8 livros de poesia. Um deles, “Acendedora de Estrelas”, rendeu-lhe um convite para participar de uma coletânea de poetas brasileiros na Croácia, onde aparece ao lado de nomes como Mario Quintana, Joao Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade e do entao presidente Jose Sarney , entre outros. Membro da Academia de Letras de Campos do Jordão e da Academia de Letras de Professores, ainda é artista plástica, produzindo obras em óleo e aquarelas. Os poemas acima fazem parte do livro ‘Paulicéia Desvairada’, publicado em conjunto com Mirian Warttusch (Beco dos Poetas e Escritores, 2014). 
Contatos: estrelopez@hotmail.com

sábado, 27 de dezembro de 2014

WILDMAN DOS SANTOS CESTARI



BRINCANTE

Pé pra cá
Mão pra diante
Um sorriso alargado
Como vôo rasante
Imerso na fantasia:

Da ilusão que se irradia
De se abanar da cara a melancolia
Da tinta do pó do feroz dia

Porque se quer brincante

Oh, Bumba!

Maior alegria

-universo-

Poesia.


O MEU FALAR NORDESTINO

Meu falar nada grã-fino
Tampouco simpatizante,
Pra uns; pra outros, elegante.
Com isto não me azucrino
Nem me faço de arrogante.
Meu falar bom –puro hino,
De alguém que fala cortante
Engolindo consoante.
Um que de falar sorrindo
Como quem fala cantante
Do destemido destino
De ser alma retirante.
Povo que, de sol a pino,
Faz-se de forte o bastante
Por ser nato nordestino:
Que vida árdua, inconstante!


CANTIGA DE RETIRANTE

Não se pode ser feliz
Tendo tristeza no olhar;
Se, aqui, bem nenhum me quis,
Já não posso mais tardar!

Só a ausência é companheira
De quem deixa seu lugar;
O sonho, uma vida inteira,
Noutros campos cultivar.

Lá, para além dos monteiros,
É que vejo o sol brilhar;
Minha flor noutros canteiros,
Prenda minha, hei de achar!


QUINTILHA

Por pensar no meu amor,
De tão cálida e cheia,
Tão má se fez minha dor:
Brava onda que mareia
A minguar o meu fervor.


PESCADORES

Seguem lua que vagueia,
Bravas almas, pescadores;
Da rasante à maré cheia
Por pensar nos seus amores.

Sonham suas as sereias
Sob encanto de licores;
Jogam ao mar suas teias
Por querê-las, pescadores.

Logo a razão lhes golpeia
Borbulhada por temores:
- Foi-lhes sempre a vida alheia
Aos seus sonhos, pescadores?


CANÇÃO DOS QUE JÁ SE FORAM
À Serra da Mantiqueira

Quando pouso o olhar sobre o azul da imensa serra...
Ouço a canção vinda pelo caminho,
O caminho que é de toda a gente
Num tiririm sonoro de sininhos...
Vindas pelas fileiras dos caminhos,
Turificadas sombras dos que já se foram...
Deixam pegadas em desalinhos
Como marcas de lágrimas de antigos choros...
A cantilena monótona se espargindo
Num ritmado coro ressoado pelo vento,
Vem, em ondas telepáticas, emitindo:
-O sonho é uma nevoa assoprada pelo tempo
Que a tudo tão mansamente degenera,
Mas a morte é um não-tempo, é um espaço
Para a esperança cansada de espera
Para a esperança cansada de espera
Para a esperança cansada de espera...
Quando pouso o olhar sobre o azul da imensa serra...
Tudo, num instante, finalmente se reverbera
Que a vida é um sonho que se desfaz em névoa
E a morte é um sopro para o fim angustiante de
Dilacerantes quimeras.




Baiano de Salvador e criado no interior da Bahia (Jaguaquara), graduou-se em Letras com especialização em Literatura. Ativo personagem da poesia brasileira, atualmente radicado no Vale do Paraíba, estreou em livro em 2012, com “Efígies”. Os poemas acima fazem parte de ‘Belão Belão Blãblão – Canções e Poemas (Nomadismo Poético)’, publicado em 2013 pela Virtual Books. Membro da União Brasileira de Escritores (UBE) e União Brasileira de Trovadores (UBT).

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

IRENE COIMBRA



NÃO OS AFUGENTEM DE MIM...

Deixem-me sozinha
Com meus pensamentos.
Por favor, não os afugentem de mim.

Deixem que falem comigo.
Preciso ouvi-los...
Não os afugentem de mim...

Se eles se afastarem agora,
Tão cedo não virão novamente.
Não os afugentem de mim...

Sinto que estão inquietos,
E querem falar comigo.
Este é o momento ideal!

Deixem-me aqui sozinha com eles, por favor.
Não os afugentem de mim...


ESSA TRISTEZA HÁ DE PASSAR...

Essa tristeza
Que chegou de repente
Tal qual uma enchente
Há de passar também.
E mesmo que arraste
Meus sonhos com ela,
Hei de encontrá-los,
Ainda que despedaçados,
Em qualquer lugar jogados
E trazê-los de volta a mim.


ENFADO...

Estou cansada
De tanta teoria
Que fala sobre a poesia.

Decidi não ler mais nada
Que ensine a escrever.

Vou deixar minha mão solta
Sobre o teclado
E mesmo que escreva errado
Não a punirei.

Afinal, por que tanta poesia
Se não vive dela a Poesia?


AUSÊNCIA DA POESIA

Eu que vivia
Em constante ebulição,
De repente me vejo
Em completa inanição.

Começo a me questionar
O que foi que aconteceu,
Pra deixar-me assim apática
De todo sonho meu.

De repente eu percebo
Que esta minha apatia,
Tem como única razão
A ausência de poesia.


POEMA FRIO

Um poema
Frio
Vazio
Foi aquele
Que
Não fiz.


O BAILADO DAS FOLHAS

Chuvas de folhas
Caem sempre à mesma hora,
E bailando alegremente
Pelos ares vão embora

E eu sentada aqui
Sempre a observar,
Este bailado das folhas
Não canso de admirar.

Essa árvore frondosa
De sombra tão abrangente,
Todo dia à tardezinha,
Dá esse show pra muita gente.

E eu na primeira fila
Sou a primeira a aplaudir
Esse bailado das folhas
Da árvore sempre a cair.


Natural de Patrocínio Paulista, a professora, poeta, contista, cronista, produtora e apresentadora Irene Coimbra ainda é editora da revista Ponto e Vírgula, além de apresentar o programa de mesmo nome na TVRP, de Ribeirão Preto (SP). Casada com Paulo Cláudio, é mãe de Fernando e Aline e avó do pequeno Raul. Membro da Academia Ribeirãopretana de Educação, é autora dos livros Pedaços de um Diário, Dr Hanamaikai e Outros Contos, Simplesmente Poemas, Meu Diário Meia Sete e Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas. Os textos acima fazem parte dos livros Entre Poemas e Poemas de Irene.





domingo, 28 de setembro de 2014

JÚNIOR BALADEIRA



REMANESCENTES

Destruíram minha alma,
Destruíram meu corpo,
Destruíram minha voz
E quase tudo que era meu.

Destruíram meu amor,
Destruíram a verdade,
Esconderam de mim a felicidade,
Quase o mundo feneceu.

Minha bondade foi julgada de pecado,
Meu desejo, tido como tentação,
Meu segredo para o mundo foi gritado,
Sufocaram o meu coração.

Só que todo amargor que o mundo trouxe
Não foi tão grande para não ter solução,
Remanesce em mim o sonho e a esperança,
Certamente esses nunca morrerão.


CAMINHOS

No rosto das pessoas eu vejo a insegurança.
Não temos para onde correr!
Todos têm sonhos e medos.
O que temer?
Um lógico ponto:
Seguir sua vida normal,
Todos vão ao mesmo rumo
Só caminham em uma direção.
É obvio, não enxergo notórios,
Apena robôs,
Destinados a matar sua sede
Na mesma linha de chegada.


A CAUSA OU O PESCOÇO?

Vivendo o dilema de falar verdades,
Sem saber se vivo depois de falar.
Se digo o que penso e o que passa na frente
O tal amanhã não viria a pisar.

Nós somos detentos do nosso sistema,
Omissos nas vozes que temem sair,
Nas letras que temem virar poesia,
Que a verdade venha a nos extinguir.

Tentando deixar tudo claro e escuro,
Falsa maquiagem nos conserva a vida,
Temendo a nossa ficamos calados
Mas nas nossas almas inflama a ferida.

Revolucionários nós somos, em tese,
Vivendo um dilema paradoxal,
Lutar pela causa ou ter o pescoço,
Vamos trafegando entre o bem e o mal.


EU LEVEI UMA PEDRADA

Eu levei uma pedrada
Mas não foi de baladeira,
Era um dia de feira
E a rua estava lotada,
Vi de longe a molecada,
Burra cega, os cabra e eu,
Nesse instante aconteceu
Para que eu jamais esqueça:
A pedra na minha cabeça
Que chega o mel desceu.


TRISTE SECA

Passado o tempo do inverno,
Nascido o triste verão,
Mina a dor no meu Sertão
Mudado de céu pra inferno,
Nasce um desespero eterno
Sonhando a chuva chegar
E ela sempre a demorar
Pra molhar a natureza,
Engrossando  mais a tristeza
Da seca que quer matar.

Meu mundo fica avessado
A mata fica marrom,
Natureza perde o tom,
Até lá, esverdeado,
Chapada perde seu prado,
Rolinha foge e lambú,
O céu fica sempre azul,
Umbuzeiro seca e morre,
Nordestino teme e corre
Pra tentar vida no Sul.

Na cidade pequenina
O emprego fica caro,
Até o feijão é caro
Pra família nordestina,
Nessa escaldante sina
Nasce um meio industrial
Onde a seca é o ideal
Pra fazer sua riqueza,
Esquecendo da beleza
Que tem o povo local.

Fura o poço, faz barreiro
Temendo a chuva chegar,
Mas esquece de implantar
Saída pro meu terreiro,
Só quem ganha é o fazendeiro
Da grande propriedade
Que mora lá na cidade,
Vive vestido de terno,
Só vem aqui no inverno
Desculpe a sinceridade.

Quem só tem uma casinha
Com uma cabra no quintal,
Um jumento no curral,
Pra viver, uma vaquinha,
Coitada, chega é magrinha
Pois não tem o que comer,
A rocinha é seu poder,
Três tarefas é a marcação,
Mas já tá rachado o chão,
Nada nela há pra fazer.

Não tem nem como gritar
Pro mundo sua triste dor,
Só sofrer com o ardor
Que teme em só aumentar,
Vivendo nesse penar
Mostra o  homem ser bem forte,
Nas terras aqui do Norte
Trava o tempo a triste sina,
A morte e vida é Severina,
Luta o povo contra a morte.

Menino pede pro pai:
Por favor, quero morrer,
Não agüento mais sofrer,
A fome já ta demais.
Parece que Satanás
Fez daqui sua morada
Com essa seca desgraçada
Onde o sol teme em ficar,
Rogo e peço pra mudar.
Salve ó Deus a terra amada.

Por favor, chuva querida,
Vem molhar minha esperança.
És a bem aventurança,
A fonte da nossa vida
Que se mostra dividida
Nesse tão triste verão.
Finda agora essa missão
Como um nordestino sofre,
Sem me entregar pra morte
Na seca, mãe do Sertão.



Nelson Pereira de Sá Junior, o Junior Baladeira, pernambucano de Salgueiro e atualmente em Ouricuri, é formado em História. Foi fundador da Companhia de Dança Popular de Ouricuri, do Grupo de Dança Rua do Sertão e do Coletivo Nação Zulu Sertão, entre outros grupos. Desenvolve     pesquisas independentes nas áreas de música, literatura, dança, teatro e cultura popular. Os poemas acima fazem parte do livro "Versos Alados". Contatos: juniorbaladeira@yahoo.com.br .

domingo, 6 de julho de 2014

ADRIANA HARGER




LEMBRANÇAS
De tudo o que vi,
Muito me escapou,
Mas muito,
Muito mais ficou
Resguardado nos confins
Dos velhos tempos,
Relembrado
Nos momentos de prece
E de êxtase da alma.


E NEM SEMPRE HÁ
Se não há força,
E nem sempre há,
Tudo é meramente frágil.

Se não há fé,
E nem sempre há,
Tudo é imensamente vazio.

Se não há vida,
E nem sempre há,
Tudo é frágil,
Tudo é vazio,
Tudo é sem direção.


FANTASMAS DE OUTRORA
Cai a noite.
Surgem das sombras
Os fantasmas de outrora.
Por ora, em frações, em garoa.

Seguirão as tempestades
Com seus monstros insanos,
Incitando o medo,
Instigando gritos de pavor.


Quem sejam nada além de sonhos,
Enganos de corações sôfregos.
Que o peso de tão temíveis pesadelos
Se desfaça assim que rompa a manhã.


PECADOS
Cobicei o mundo
Com olhos errados,

Roubei flores
Que murchavam num dia,

Prendi em gaiola apertada
O pássaro da liberdade,

Sonhei pesadelos
Ao invés de sonhos

E cerrei meus olhos
Para não ver meus erros...


O TEMPO TODO
O tempo todo
Tudo e todos
Mergulham no tempo
E seu efeito,
Sem desfazer
O que já foi feito.
Fazendo,
Refazendo.


NÃO SOU DO MAR
Não sou do mar
Nem nunca fui.
Estive presa, tão presa
Por entre montanhas,
Trancafiada em vales
Longamente murados.
Montanhas da vida,
Montes do pensar,
Picos do destino.

Não sou do mar
Nem nunca fui.
Sempre mergulhei, porém,
Minhas palavras nas ondas,
Criei praias cheias de sol,
Vislumbrei mares sem fim.
Mares de liberdade,
Oceanos de sorrisos,
Águas profundas de sentir.

Não sou do mar
Nem nunca fui.
Mas num salto súbito
Mergulhei do alto das colinas,
Ganhei o céu num vôo sublime,
Encontrei o mar num abraço intenso,
Beijei as ondas com um beijo terno,
Viajei pelas entranhas das águas
E me fiz livre, tal qual o mar.



Professora e poeta, Adriana Harger (de Campos do Jordão) participa ativamente das ações culturais de sua Cidade, e vem sendo premiada com freqüência em concursos literários no Brasil. Os textos acima fazem parte de “Poesia no Tempo”, seu livro de estréia, com previsão de lançamento para o mês de agosto/2014.

sábado, 21 de junho de 2014

COSME CUSTÓDIO




PROCURA

Para te encontrar
Escalo teus andares
De formas circulares
De raros exemplares

Irei a todos os lugares
Por rios ou mares
Por terra ou ares
Cafés e bares
Boliches e bilhares
Sebos e bazares
Igrejas e lupanares

És jóia sem pares
Gestos tão vulgares
Lábios carnudares
Seios sem siliconares
Ancas rebolares

Pedirei ajuda de militares
Embaixadas e consulares
Apoio de familiares
Gratificarei a quem achares

Volta, Stella Maris!


ESCORRÊNCIA

O amor está nítido
Na menina dos olhos teus
Que se derrama cristalino
E aquoso
Inundando o coração
E por não suportá-lo
Às costas
Abre suas comportas de néctar
Que hidrata o corpo
Entorpecendo-o
Juntando-se ao âmbar
Do triângulo invertido
Lacriminoso
Onde encontra sentido
Vertendo ao mar


O PESCADOR

Outra manhã
Outro dia
O mesmo horizonte
O mesmo mar
O mesmo Céu aberto
O mesmo barco tosco
Deslizando no azul adentro
Perseguindo cardumes fugidios

A mesma cantilena
A mesma voz rouca
As mesmas rugas
Acentuadas pelo sol e salitre
Denunciando a idade

O mesmo temor
A mesma incerteza
O mesmo amor
A mesma esperança


MEU AMOR É ANGOLA

Levanto âncora
Iço velas
Singro águas
E ares
O mar sangra
De emoção

Deixarei saudades no porto
Mas, trago-me no coração
Ao encontro do meu amor
Desde outrora
Em versos expostos

Penetrarei Angola
Sem armas, sem dardos
Sem grilhões, sem argolas
Mas, com elos e laços
E ímpetos de amor


BARRA DE JACUÍPE

Antes da barra
A ponta encimada
Do Jacuípe rio
De águas ferrosas
Que guardam
Profundos segredos
No coração

As feéricas ondas
Arrebentam
Azuis espumantes
Lambendo lençóis brancos
Cobertores e travesseiros
Que comportam a imaginação

Rio e mar
Em sol-maior
Céu azul sem dó
Que amarelece
Antecedendo a noite
E o véu negro floresce
De olhos brilhantes


DONA DO MAR

Tu vens do azul do mar
São ondas os teus cabelos
Sereia és por inteiro
Corpo-ilha de mil segredos

Teu corpo bonito oscila
Por forças de desejos
Dançam ancas quando tu andas
Palpitantes e belos seios

Sereia de água em perfume
Tenho de tu grande ciúme
Da mitológica realeza

Vens comigo dançar
Leva-me contigo ao mar
Quando acenderem as estrelas



COSME CUSTÓDIO DA SILVA, baiano de Salvador, escreve em verso e prosa. Autor de Caderno de Poesias (2003), A Negativa do Corpo (2005), O Bicho Homem (2007) e Recôncavo em Contos (2012), foi premiados em inúmeros concursos literários. Pertence a diversas instituições literárias e edita o zine O Garimpo, que circula nacional e internacionalmente. Os textos selecionados acima fazem parte de seu último livro, “Amor e Mar”(2013).

sábado, 21 de dezembro de 2013

GUILHERME PUPO FALCONNI



CANETA
Hoje peguei uma caneta
que só quer desenhar borboleta...
quando letra, falha, sulca, vinca, ralha,
nem uma palavra.
Só quer correr longe no papel, longas voltas,
circula, cruza, risca...
E outra borboleta...
Nem mais uma palavra.


EXPLICAÇÃO
Quem explica profundamente alguma coisa
é porque não entendeu.
A explicação é assim, uma troca,
um sacrifício,
uma imolação da coisa pela razão que explica.
A explicação é uma troca,
assim;
toda explicação é perversa
pois esconde um não saber;
toda explicação odeia a coisa,
pois nunca a explica toda.
Toda explicação odeia não saber,
isso porque teme.
Toda explicação teme não conhecer.


TEMPO
Teve um tempo,
uma casa,
alguns livros
e bobeiras...
Coisas como confeitos
num bolo mirradinho de recheio
dos olhares que não viram,
abraços amputados,
versos vetados,
e gosto de cigarro.
Teve um tempo
em que não sabia se era feliz.
E não sabia.
E de tanto não saber
se comungou que não era
a cumplicidade de não ser,
e assim,
a sintonia perfeita de acabar,
passar,
calar,
levar um pouco
e ir-se embora.


MOLEQUE
Hoje lembrei dos meus pés
mas não destes, e sim,
dos meus pés de menino
pés de moleque
pés de criança
o quanto é difícil nomear o passado:
"- quando eu era moleque..."
"- quando eu era pequeno..."
"- quando eu tava na faculdade..."
no passado eu não penso,
naquele tempo nunca pensei não estar.
Penso no tempo e em adjetivo,
penso os pedaços, substantivo.
Penso o verbo pensar.
Faz pouco tempo lembrei dos meus pés,
neste dicionário que ganhei de meu pai.


QUERO
Eu quero tanto
mas será outro
dia pra esse pranto


GUILHERME PUPO FALCONNI (São Paulo, 1975) é professor, bacharel e mestre em História pela Unesp. Atua no Ensino Fundamental e Superior em Taubaté, SP. Os versos acima pertencem ao livro 'Livro Último" (Scortecci). Contatos: profpupo@gmasil.com